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  • Foto do escritorAlfredo Lhullier

Uso problemático de substancias - o que se passa no cérebro?Como TCC e outros recursos podem ajudar?

O “barato” é dopamina

O neurotransmissor envolvido na sensação de prazer, assim como nos estímulos que percorrem o Sistema de Busca de recompensa é a Dopamina. Toda droga que causa dependência, assim como comportamentos que também se tornam compulsivos, estimulam direta ou indiretamente este sistema, de forma intensa. Algumas drogas, como a cocaína, chegam a um estímulo 20 vezes maior que o maior prazer obtido em curta fração de tempo, na natureza, o ato sexual e o orgasmo. O importante é entender que estas drogas não acrescentam novas funções ao cérebro, mas somente modificam as já existentes, através da modulação destas substâncias. A dopamina já estava lá...

Pensamentos e Cognições

São resultado do trabalho conjunto de várias áreas do cérebro, mas são principalmente orquestrados pela região mais anterior do cérebro, o Córtex Pré-frontal, embora sempre recebem influência pela ativação das regiões inferiores.

A consciência é um processo muito complexo, que consome uma energia muito grande e é resultado da atividade de todo o cérebro, “orquestrado” pelo Cortex Pré-Frontal (CPF), aquela região que também é responsável pelas nossas decisões. Antes de chegar ao CPF, os processos não são verdadeiramente conscientes ; os estímulos relacionados à fissura partem de regiões inferiores do cérebro, e só se tornam conscientes quando chegam às regiões superiores.

Ao se configurar como desejo, demanda, passa pelos processos de tomada de decisão, para então ser transmitida aos núcleos motores, que buscarão sua satisfação. Todos estes processos se apresentam na nossa mente como pensamentos, emoções, sensações corporais, e são por eles também evocados, de forma retrógrada. Mas também podem ser inibidos, se a tomada de decisão indicar ser o desejo inapropriado, ou destrutivo.

Quando nos referimos a processos cognitivos, estamos apontando os aspectos ideativos, de pensamento (verbal, ou de imagens), daqueles processos, mas certamente não estamos excluindo as emoções e sensações, até porque estas é que são realmente decisivas, na reação comportamental, embora estejam atreladas aos pensamentos.

Então quando um sujeito pensa: “Não vou ficar legal enquanto não tomar uma gelada”, imediatamente se recarregam suas memórias relacionadas ao prazer que sentiu nas ocasiões anteriores, impulsionando a decisão no sentido positivo. Mas se ele também conseguir evocar as memórias negativas, associadas ao sofrimento, por exemplo, das situações vexatórias e destrutivas que sua família viveu com isso, essa decisão pode pender para o sentido oposto.

Como seria então realizar o trabalho da terapia cognitivo comportamental?

Aquele sujeito, agora paciente de terapia cognitivo-comportamental, vai aprender a identificar este pensamento, as emoções e as sensações agregadas.

Vai aprender a identificar e colocar em teste a credibilidade deste pensamento, que se impõe como uma verdade absoluta em sua mente. Precisa ousar ter essa liberdade (ao que chamamos questionamento socrático). “Será verdade?” (O que vai acontecer se beber, na verdade é o oposto, o uso aumenta a vontade e ele fica pior ainda, embora tenha breves momentos de prazer)

Vai aprender a “re-pensar”, modificando esse pensamento, com uma afirmação positiva: “Posso esperar passar esta vontade; vai passar, e vou voltar a estar bem”.

Isso é tudo?

Não!

Vai identificar as situações (situações de risco) em que este desejo pode aparecer, ou ser estimulado.

Vai aprender a identificar os “prés”, quando ele está se formando, e as voltas que a mente dá para burlar os “controles”.

Ao identificar estes elementos, precisa decidir se enfrenta ou evita estas situações, uma a uma, e ter um “plano B” se a coisa apertar (Técnicas de Enfrentamento).

Prevenir-se para não cair em uma situação que não sabe como lidar, ou à surpresa, que ao pegar suas defesas abertas, poderá infiltrar-se e levá-lo a uma decisão desfavorável. Uma sequência de fatos aparentemente inocentes que acabam no uso (Decisões Aparentemente Irrelevantes).

Mas... o que acontece na dependência que isso às vezes não funciona como esperado?

Vimos que a dependência se instala quando o circuito encarregado destes estímulos passa do impulso à compulsão.

Qual a diferença? Na primeira o sujeito está mais livre para o julgamento da tomada de decisão, e as emoções negativas ainda não estão tão intensamente ligadas à fissura.

Quando inicia a usar uma substância, predomina o impulso, a busca de gratificação, e o sujeito tem mais controle sobre o ato. Algumas vezes consegue evitar a droga, o que lhe dá uma falsa idéia de que “domina” seu comportamento. Aos poucos, porém, pela fissura e pelos efeitos da falta droga, passa a funcionar mais pela ansiedade e o desejo de evitá-la, assim como a outros sintomas desagradáveis da Síndrome de Abstinência. O panorama então vai se modificando, passando a funcionar compulsivamente, estreitando-se muito a margem que consegue controlar seu comportamento. Quando chega neste ponto, em geral já tem prejuízos importantes em várias áreas de sua vida.

Quais são estas emoções negativas?

Ansiedade: O mesmo pensamento desperta ansiedade intensa, associada à imagem do alívio imediato proporcionado pelo uso.

Tristeza, baixa auto-estima, e culpa vinculadas ao fato de estar “querendo” algo contrário as suas decisões, e que fazendo o que tinha decidido não fazer. Mais complicado ainda porque lhe vem à mente as lembranças recentes e pregrassos de atos contrários aos seus valores.

Raiva pelos mesmos motivos, atribuída ao exterior em parte, complicando ainda mais, favorecendo o rompimento das barreiras ao uso, identificadas como geradoras da ansiedade. “Se a minha mulher não reclamasse tanto seria mais fácil eu não beber (usar)”.

Sensações corporais de desconforto, às vezes muito intensas (dor de barriga, cólicas)e a lembrança das sensações relacionadas ao “barato” pelo uso

E por aí vai... percebidos em conjunto e de forma confusa.

Por outra parte, ao despertar esta confusão de pensamentos, associada ao desconforto, o usuário pode optar pelo “Foda-se”, bloqueando o processo mental e agindo pelo “automático”, o que encaminhará o próximo episódio de uso.

A compulsão, então, se estabelece.

Mas ainda há outro fator, que é a “lesão” pela presença da substância, de neurônios do estriado e do cíngulo anterior, regiões relacionadas à inibição destes pensamentos intrusivos, que “ligam” incessantemente, como um relé de alarme estragado.

O que fazer então?

Podemos atuar nestes processos de “baixo-para-cima” (diminuindo os estímulos), ou seja, dos núcleos inferiores, mais primitivos, aos superiores; e/ou de “cima-para-baixo” (melhorando a forma de lidar com eles) capacitando as regiões superiores do cérebro de forma a lidar com os impulsos mais adequadamente.

Quais recursos e quais escolhas fazemos e porque as fazemos?

Sistema dos 12 passos: são axiomas coerentes entre si, através dos quais lidamos com os estímulos, e que nos apresentam soluções que temos que adaptar às situações que vivemos. No caso das comunidades há também um aporte intenso de elementos que provém do compartilhar experiências e do convívio (de cima para baixo , de forma muito próxima. Esta mais forte o sentimento de pertencer a um grupo voltado a um objetivo claro, vencer a compulsão e a dependência.

Existem orientações baseadas na experiência pessoal e nos “passos” que ajudam a diminuir os estímulos externos, tentando manter o grau de ativação baixo. “Evite ambientes onde há consumo de drogas ou álcool”; “Evite o primeiro gole”

Psicofarmacoterapia: atua nos dois sentidos, melhorando o funcionamento do CPF, e regulando os estímulos provenientes dos núcleos inferiores (emoções, fissura). Ademais já há evidências de drogas que têm efeito restaurador para os neurônios relacionados ao pensamento compulsivo, e outras disfunções.

Terapias cognitivo-comportamentais e comportamentais: atuam de cima-para-baixo, trabalhando os pensamentos, e diretamente os comportamentos. Nesta última, a psico-educação e orientação podem ajudar também ensinando a evitar ou enfrentar os estímulos, conforme a situação e o preparo do paciente.

Desintoxicação hospitalar: vai ser indispensável nos casos de dependência grave ao álcool e opióides (heroína, morfina), onde a Síndrome de Abstinência pode ser perigosa. Eventualmente como maneira de proporcionar o ambiente livre de drogas e sob controle externo, na dependência grave de cocaína.

Técnicas meditativas/mindfulness: as práticas de mindfulness foram reunidas em um protocolo de tratamento, pelo autor da Prevenção de Recaída, Alan Marlatt e colaboradores, no sentido de ajudar na manutenção da abstinência a longo prazo. Funcionam como uma “fisioterapia” do cérebro, reforçando funções essenciais na recuperação, aceitação das circunstâncias inevitáveis, e dos pensamentos e sentimentos contrários à sobriedade; melhor capacidade de foco atencional, às vezes bastante prejudicado pelas seqüelas de uso; regulação emocional muito mais eficaz, permitindo um controle do comportamento muito melhor; separação entre o “eu” e o que passa pela mente, criando uma maior chance de não se fundir em pensamentos e emoções negativas, e um reforço na busca de situações e elementos saudáveis na vida.

Todas são incompletas em parte, necessitando na maioria das vezes uma associação, que deve respeitar as especificidades de cada caso. A psicofarmacoterapia quase sempre será usada, quase nunca sozinha, necessitando ser complementada por técnicas psicológicas e/ou comportamentais.

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