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  • Foto do escritorAlfredo Lhullier

Podcast: Uma lição do Coronavirus e a (anti)ética do álcool


Já se diz há muito tempo: há males que vêm pra bem... será? Claro que nenhum mal é desejável, mas se for inevitável, que pelo menos se aprenda com ele, até que se possa evitá-lo. Da epidemia pelo Coronavírus e dos cuidados para enfrenta-la, assim como de outras anteriores, H1N1, SARS, muito se tem aprendido. O fato de que só uma pequena parte dos infectados pereça, no caso do COVID-19, não diminui a importância dos esforços por conter a transmissão. Vislumbro daí o surgimento de uma nova ética em relação aos problemas epidêmicos. Nova que não o é, mas que não se tinha feito tão públicacomo agora, talvez. Pois bem, porque então não se aplica algo semelhante à epidemia das drogas, principalmente ao álcool. É óbvio que não estou defendendo a idéia de por em quarentena os dependentes de substâncias, nem de mantê-los isolados da sociedade, pois penso que se deva fazer exatamente o oposto. Dependentes não são pessoas diferentes das demais. Meu foco é a outra parte, a parte “sadia”desta sociedade, que bebe indiscriminadamente, e fuma, ou usa drogas, nas festas e comemorações até mesmo em família, sem se preocupar com as pessoas mais sensíveis, que poderão se contaminar com a proximidade da oferta e do consumo, desenvolvendo a partir da experimentação problemas graves, que chamamos na clínica de doença. O grupo de maior risco são justamente os adolescentes.

Desde que decidi não consumir mais bebidas alcoólicas, quase 40 anos depois de decidir não mais fumar tabaco, posso ver muito mais claramente, o que antes já sentia, através de minhas experiências e das vivências de meus pacientes, a “contagiosidade” social a que, silenciosamente, estas pessoas –mais vulneráveis – estão expostas. Exatamente aqueles que se sentem impelidos ao consumo para provar virilidade, feminilidade, resistência ao álcool, ou sociabilidade, ou que sofrem de ansiedades que não se animam a enfrentar de forma franca. É fato apoiado em evidências que a chamada “resistência” aos efeitos do álcool aumenta o risco de dependência e colabora para os percentuais muito mais elevados da prevalência desta no sexo masculino.

É evidente o descaso com que a maioria da população consome sem se dar conta de preservar do “contágio”, pelo contato visual, experiencial, que pode fazer surgir a vontade no dependente ou induzir à experimentação quem nunca usou.

Um bom exemplo se vê nas redes sociais, nas quais se postam fotos e vídeos em situação de consumo e se enaltece o abuso, seja como exemplo de coragem, sociabilidade ou estilo de vida; mas o mais gritante e contagioso é ao vivo mesmo, nas festas públicas e privadas, nos bares e até na rua.

Proponho uma reflexão: comparando os índices, a dependência às drogas lícitas ou ilícitas mata e enferma muito mais gente do que o vírus. Não seria hora de pensar numa nova ética a respeito?

Não seria o momento para pensar em tomar mais cuidado com o que “passamos” às pessoas próximas, seja vírus ou comportamentos de risco? Não por proibição, mas por amor e cuidado; e socialmente, por consideração aos demais e ao nosso ambiente de convívio?

Eis aí a questão ética: temos o direito de expor o outro, que pode ser nossos filhos, nossos pais, nossos amigos e colegas? Certamente que não. É preciso abrir os olhos para condutas tacitamente aceitas e valorizadas socialmente, mas que na realidade têm nos levado a prejuízos individuais e sociais e à exposição daqueles que deveriam estar sendo protegidos.

Escute o Podcast no Soundcloud:

https://soundcloud.com/user753918172/uma-licao-do-coronavirus-e-a


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