Às vezes uma ajuda para enfrentar os problemas, em outras o obstáculo principal para fazê-lo. Regular a ansiedade e torná-la uma aliada, essa é a chave.
Ninguém gosta de sentir ansiedade. “Adrenalina” é diferente, a gente até pode ter algum desconforto, mas a descarga resultante produz uma sensação de prazer e gera a vontade de repetir a experiência. Mas para a ansiedade, que gela as mãos, descompassa o coração, sufoca, ou traz mal-estar na boca do estômago, esta ninguém gosta de sentir. O problema é que geralmente nossos maiores desafios, nossas maiores conquistas, estão por detrás de uma montanha de ansiedade. Aqui começamos a diferenciar uma coisa da outra; a ansiedade que nos empurra a superar os desafios e obstáculos, não só normal como necessária, e a ansiedade que nos paralisa, ou nos faz fugir dos desafios. Ambas são normais, mas a segunda não ajuda, enquanto que a primeira o faz. A questão é saber como lidar com ela, como fazer para que não chegue a esse ponto, e se chegou como fazer com que volte a ser aquele motorzinho barulhento da mente e do corpo, que nos empurra pra frente.
Quando repetidamente ela aparece em intensidade desproporcional, trazendo muito sofrimento, que muitas vezes quem não sente não consegue entender; ou quando ela surge mesmo que não se consiga evidenciar claramente um obstáculo ou ameaça, aí sim, estamos chegando ao ponto em que precisamos de ajuda. É o que definimos como um sintoma, uma alteração, para fins clínicos.
Uma das experiências mais sofridas é a crise de pânico, grau elevadíssimo de tensão e ansiedade, que pode estar ou não referido a um objeto ou situação específica. O coração bate acelerado, e podemos perceber claramente seu batimento, a cabeça pode latejar, a respiração se torna rápida, superficial e por vezes bem difícil, podemos sentir alterações visuais, como um esmaecimento das cores, tontura, ou a sensação subjetiva de que estamos alterados, descompassados, ou que algo muito grave esta ocorrendo no nosso corpo, como um infarto, ou um acidente vascular cerebral (isquemia ou derrame). Durante a crise é quase impossível não reagir, e a inquietação é por vezes enorme, não conseguimos ficar parados nem um segundo. A sensação é que algo tem que ser feito imediatamente para nos salvar, ou evitar que façamos alguma loucura. Esta crise pode ocorrer em qualquer dos chamados “transtornos de ansiedade”, mas quando não se encontra uma fonte, vem “do nada”, aí então estamos frente a um quadro sintomático que chamamos “Síndrome do Pânico” ou “Transtorno de Pânico”.
As causas desta reação extrema são multifacetadas, complexas, e necessitam estar presentes em conjunto, para que ela surja. Podemos agrupar estas causas sob a designação de biológicas, psicológicas e sociais. Um somatório de elementos que quando se juntam, levam à eclosão do transtorno. As biológicas se baseiam em alterações na sensibilidade e excitabilidade do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal, o “eixo do stress”, que existe para nos manter vivos, e acaba por nos “torturar” quando funciona mal. Estas alterações são herdadas, e se pode observar seu aparecimento em sucessivas gerações de uma mesma família, representando o que chamamos de “vulnerabilidade” biológica, que sozinha não é suficiente para desencadear o transtorno. Outro elemento importante se dá na esfera psicológica, quando o indivíduo se desenvolve em famílias emocionalmente instáveis, com variações constantes, e genitores inseguros, principalmente no que se refere ao corpo e à capacidade de resistir às mudanças e dificuldades sem adoecer. Esta seria a “vulnerabilidade”psicológica. O terceiro fator se refere às condições ambientais e sociais, à interação social, desencadeadora do transtorno. Temos aí as perdas, as doenças familiares, as pressões do trabalho, estudo, as exigências da vida (Barlow & Durand, 2008).
Além do transtorno de pânico, outros transtornos de ansiedade são o TAG (transtorno de ansiedade generalizada), onde a preocupação exagerada com o futuro é a causa da ansiedade; as fobias, nas quais o objeto do temor é bem nítido, como animais, situações, ou sangue e ferimentos; o transtorno de ansiedade social, no qual a interação e o desempenho social adquirem uma importância extrema, e no qual o individuo se vê como incapaz de realizá-los satisfatoriamente; e finalmente o transtorno de estresse pós-traumático, que decorre de alguma experiência de estresse – pavor, medo – extremo, vivida pelo sujeito em época prévia.
A abordagem da ansiedade deveria ser ensinada nas escolas, algumas já o fazem, bem ou mal, sob o título de aprendizagem ou educação sócio-emocional. Se a gente tem que aprender o idioma, a matemática, e outras coisas que compõem nossa bagagem de recursos para a vida, porque não aprender justamente a lidar com a gente mesmo? Não somos nós mesmos o principal instrumento para operar na vida? Sem contar o impacto econômico-social disto, em dias de produtividade e economia de recursos na saúde. A educação sócio-emocional funciona como uma vacina, que não previne só uma, mas várias doenças, entre as quais as que estamos abordando, os distúrbios de ansiedade.
Entre os recursos, o primeiro, talvez o mais simples, mas muito poderoso: respirar, mas de um jeito especial: profunda e lentamente. Chamamos de “respiração abdominal”, porque ela aparece nos movimentos do abdômen, que se projeta e se recolhe; uma inspiração baixa. Existem muitos trabalhos mostrando sua eficácia. Só o que se recomenda é que seja “treinada” antes, que não se deixe para utilizar só na crise. Então, inspirar e expirar lentamente, profundamente, algumas vezes. Há quem diga que em situações de ansiedade intensa, em pessoas livres de transtorno, uma inspiração profunda e prolongada já é suficiente.
Outro recurso comportamental é o relaxamento muscular progressivo, cuja técnica pode ser utilizada de forma simplificada; também necessário treinar antes de aplicar na crise. Trata-se da contração de grupos musculares específicos, como os das costas, e seu relaxamento, de forma isolada ou combinada.
Normalmente é necessária orientação de quem já conhece a técnica. Podemos também utilizar uma atividade física relaxante, como um esporte ou ginástica na academia. Muitas pessoas se sentem muito relaxadas após uma sessão na academia de ginástica, ou de uma caminhada, na esteira ou na rua. Esta atividade não só é relaxante, mas também importante para uma boa saúde.
Outro recurso importante, embora não de efeito agudo, é cuidar do próprio sono, dormir adequadamente. Os distúrbios do sono estão freqüentemente associados a outros transtornos, entre os quais os de ansiedade; na prática, podem iniciar muito antes da eclosão do transtorno de ansiedade em si. O estresse crônico quase sempre se acompanha de um dormir insuficiente e pouco restaurador.
Comer de forma regular, não abusando nem estendendo muito os horários entre as refeições, e evitando dietas inadequadas ou mal orientadas, também é muito importante para enfrentar o estresse agudo e crônico, assim como para não atrapalhar o sono. Evitar estimulantes, como a cafeína, e outras xantinas (estimulantes leves em baixas doses), presentes nos refrigerantes, chá, mate, guaraná e café, por exemplo. Às vezes só a redução da dose diária já tem repercussão na ansiedade.
As práticas meditativas bem baseadas em evidências científicas, como o Mindfulness, são muito importantes, mas necessitam uma adesão regular. Está neurocientificamente bem demonstrado o efeito destas práticas na capacidade de regulação emocional, essencial para lidar com a ansiedade e o estresse. O ideal é praticar sob a orientação de um instrutor autorizado em um dos bons institutos de formação, como o Mente Aberta, da UNIFESP. Na falta de um bom instrutor, existem livros e aplicativos para smartphone e tablet, que fornecem informações e práticas guiadas, para uma prática inicial. As artes marciais, como o Tai Chi Chuan podem ajudar também, assim como o Yoga. Existem trabalhos neuropsicológicos demonstrando o tipo de alterações em circuitos cerebrais produzidas pela prática de Yoga (Vago, 2013). A Pranayama, categoria de exercícios de Yoga que trabalham a respiração, tem justamente esse objetivo, a regulação das emoções, entre outros.
E as psicoterapias? São fundamentais, para o gerenciamento das situações geradoras de ansiedade, assim como no manejo desta. A Terapia Cognitiva Comportamental, com vasta evidência científica de resultados nos transtornos ansiosos, se destacando das demais principalmente no Transtorno de Pânico, é uma escolha adequada. A Terapia de Aceitação e Compromisso, baseada na “filosofia” do Mindfulness, quando este gerenciamento de ansiedade requer uma abordagem mais ampla de vida, e outras terapias comportamentais contextuais também. Às vezes a aplicação isolada de recursos comportamentais, mesmo quando está em curso uma terapia de insight, por exemplo, pode ser muito mais útil que a aplicação da última isoladamente.
Finalmente, o uso de psicofármacos pode ajudar. E pode atrapalhar... Quando não há um diagnóstico bem estabelecido é bom ter cuidado com a prescrição destas substâncias, que são extremamente úteis quando bem utilizadas. No caso de ansiedade em individuo sem transtorno, se usam ansiolíticos de curta duração, e se for o caso de enfrentamento de uma situação que exige desempenho, os beta-bloqueadores podem ajudar, reduzindo os sintomas corporais da ansiedade.
Quando temos a presença de um transtorno, a maioria dos recursos acima também pode ser útil, numa abordagem integrada. Infelizmente a maioria das pessoas não recebe um atendimento completo, usando só a psicoterapia, ou só a psicofarmacoterapia, ambas menos eficazes isoladamente. A classe de medicamentos mais indicada, na presença de transtornos de ansiedade é a dos antidepressivos, principalmente os que atuam sobre a serotonina.
A maior das modificações úteis que podemos levar adiante, entretanto, e que envolve todas as anteriores, se refere ao nosso estilo de vida. A maneira de encarar os acontecimentos da nossa vida, pode e deve ser modificada diretamente, através da mudança de nossos hábitos mentais, a maioria dos quais a gente tem dificuldades de identificar e avaliar. Para isso serve a terapia, e dentro dela a mudança na atitude em relação a nós mesmos. Buscar se conhecer e melhorar. Eventualmente encontramos problemas insolúveis na vida. Situações com as quais temporária ou definitivamente temos que conviver. Quando assim reconhecemos algum problema, seja mais ou menos grave, não nos resta mais que adaptar nossa vida. É tempo de mudar de paradigma, mudar valores, e isso nem sempre é para melhor, nem sempre é evolução, mas é o que podemos fazer. As doenças são limitações que temos que enfrentar, mas às vezes vamos nos ver impotentes e teremos de aceitar que permaneçam, essa é a nossa condição humana. A dor é um exemplo de limitação e de sofrimento, que pode ser até constante; pode ser que mesmo com todos os recursos médicos não consigamos eliminá-la. Quando é assim, o melhor é mudar de atitude, e pensar: como posso aprender com isso? Como posso apesar disso me tornar uma pessoa melhor? Como no enfrentamento das crises – o que elas podem nos trazer de bom, de sabedoria de vida?
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